Depois, alinhar e empilhar as folhas no seu lugar de origem. Alinha, empilha. Alinha, empilha. Alinha, empilha.
Me lembrei daquele filme do Charles Chaplin, Tempos Modernos. O cara trabalhava numa fábrica. Ficava o dia inteiro apertando parafusos. Quando foi despedido, saía na rua fazendo os mesmos gestos. Inclusive apertou o botão do vestido de uma mulher. Pensei se sairia da garagem assim como o Charles.
No meu quarto, lia o que achava que podiam ser crônicas. Se eram, colocava-as na cama. Se não, jogava no chão. As que eu já sabia que eram crônicas geralmente nem lia, já recortava e deixava na cama.
Agora o chão está pior que o centro em dia de eleição.
Dentre as 84 crônicas recortadas (e olha que eu nem recortei todas as crônicas, mas tem pra dar e vender), uma realmente me agradou. Espero que agrade vocês também.
Isabel Gonzales Dermann
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A Copa de 70, Steve e Glênio
As aparições do Steve Jobs, o homem da Apple que toda semana anuncia algum novo aparelho, demarcam hoje a nossa obsolescência. Steve Jobs acelera o envelhecimento de tudo e vai tornando inútil até nossa capacidade de compreender o que inventa. Numa das aparições, decretou o fim do computador com teclado para daqui alguns anos. Logo agora que eu descobri pra que serve a tecla scroll lock.
Um consolo, se é que existe, nos é dado por Umberto Eco. O escritor italiano diz que ninguém conseguira extinguir garfos, facas, enxadas, tesouras, pentes, martelos, que são o que são desde que existem. Jobs não deve estar mesmo interessado em martelos.
Hoje, uma invenção de Jobs circula pelo mundo quase ao mesmo tempo em que é anunciada. Nem sempre foi assim. O homem da Apple é de uma geração, a minha, que teve a televisão como a grande mágica da comunicação. Mas Jobs viu uma transmissão ao vivo de Copa pela TV quatro anos antes de nós. Nossa primeira Copa ao vivo foi a de 70. Eram tempos em que uma invençãochegava aqui com lerdeza. Sabia-se que tal invento existia, mas a novidade tinha de atravessar oceanos até desembarcar nas periferias. Foi assim com a eletrola, o som hi-fi, o fax, o CD.
Para interioranos gaúchos, 70 não foi apenas o primeiro ano de Copa ao vivo. Foi o primeiro ano de TV. Repetidoras de imagem foram instaladas no Interior pela primeira vez naquele ano. Vejo Steve Jobs anunciando o novo iPhone 4, eu que não tenho o 1, e lembro do dia em que minha avó Nina e minha mãe, Nora, instalaram um televisor Admiral na sala. Alegrete, a terra de João Saldanha, o técnico da Seleção, iria ver a Copa. Saldanha caiu antes da Copa do México, e a imagem da repetidora também caiu poucos dias antes dos jogos. Caía e voltava.
E assim vimos a Copa. A repetidora era instável como os aparelhos de Steve Jobs. Assim se viu, naquele dia 3 de junho de 1970m o checo Petras marcar um gol no Brasil, correr para o escanteio e fazer o sinal da cruz. Ao vivo, a TV Tupi expunha um comunista que agradecia a Deus.
Minha avó atraiu todas as amigas da vizinhança. Servia chá e bolo. Sabiam tanto de futebol quanto eu sei a diferença entre o iPhone e o iPad. Éramos 90 milhões em ação. Uma gritaria. Alegrete estava alegre demais para ouvir os gritos nos subterrâneos da ditadura. Como fomos felizes naquele inverno de 70.
O que nos consola, e disso Umberto Eco não fala, é que inventaram jogos, amizades e amores virtuais, mas ninguém conseguirá desinventar a bola. Inventaram volantes em profusão, a seleção transformou-se numa confraria de jogadores prestativos, mas aqui estamos, torcendo por Gilberto Silva e Elano como torcíamos por Gerson e Jairzinho diante daquela caixa com moldura de madeira e chumaços de Bombril nas antenas. Há exatos 40 anos, Alegrete viu a Copa narrada por Geraldo José de Almeida.
Agora, imagine as próximas Copas em realidade virtual, com os jogadores circulando dentro de casa, talvez já em 2014. Dia desses, divaguei a respeito do que nos espera quando ouvi o Glênio Reis, com suas oito décadas de sabedoria, anunciar serelepe, enquanto investigava o chão do corredor que leva à Rádio Gaúcha:
-Se alguém achar um pen drive, é meu.
O que haveria no pen drive do Glênio? Elis, Arturo Sandoval, Gardel, Cartola, Noel Rosa, Nelson Gonçalves? Contemplei a procura do Glênio, vi minha avó manobrando o Bombril na antena, vi minha mãe servindo pão de ló para as vizinhas em algazarra e tive certeza de que não haverá nunca mais uma Copa como aquela. Mas pensei também que o pen drive do Glênio e alguns desses aparelhos feitos para durar pouco servem até para abrigar nossas coisas perenes nestes tempos em que as perenidades duram uma semana ou pouco mais.
Moisés Mendes
1 comentários:
Hahahaha, muito bom! Tanto a sua crônica da crônica, Isabel, quanto a do Moisés Mendes. Parabéns!
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